Glenmorangie Tale of Spices – Das Índias
Tom Hardy tem algumas séries bem legais. Mobland, por exemplo, que no começo parece mais uma série genérica de gângsteres — e depois confirma justamente a primeira impressão. Mas com suspense, ação e um ritmo impecável. Outra é Taboo. Hardy interpreta James Delaney, um ex-marinheiro britânico meio místico e totalmente desajustado. Ele desafia o governo e a Companhia das Índias Orientais por conta da herança de seu pai: um pedaço de terra chamado Nootka Sound.
A parte mais interessante da série é o retrato da Companhia das Índias Orientais. Ela aparece como uma corporação militarizada, quase um estado paralelo. Eles espionam, assassinam, compram juízes, torturam gente, afundam navios e reorganizam o parlamento. Tudo isso para controlar rotas comerciais de escravos, sal, pólvora e, principalmente, as especiarias.
Acho engraçado — e, ao mesmo tempo, profundamente ofensivo e cínico — perceber que a humanidade moveu frotas, assassinou povos e redesenhou mapas para que, séculos depois, eu temperasse arroz com Sazon, enquanto a noz-moscada e a pimenta-do-reino observam, incrédulas, sua irrelevância. Isso sem mencionar o curry, que eu comprei, venceu em 2022 e eu nem abri.
E ainda assim, de vez em quando, surge um líquido que devolve alguma dignidade ao legado das especiarias. É o caso do The Glenmorangie Tale of Spices. Ele é a sexta edição limitada da série de “Tales” (ou, traduzindo de uma forma pouco fiel, Fábulas) da Glenmorangie. A série evoca aromas e sabores inspirados em alimentos e locais. As edições anteriores são Cake, Winter, Forest, Tokyo e Ice Cream. O que é engraçado e aleatório, e me faz acreditar que qualquer coisa pode virar um Tale pra Glenmorangie.
O Tale of Spices é uma das criações mais complexas do maluco Dr. Bill Lumsden, diretor de criação de whiskies do grupo Louis-Vuitton Moet Hennessy – sim, a Glenmorangie é do mesmo grupo das bolsas de grife – e o master blender Gillian MacDonald. O ponto de partida é normal, barris de carvalho americano que antes contiveram bourbon – o arroz e feijão (temperados com glutamato?) do mundo do whisky.
Mas, depois, a história fica mais maluca. Parte do whisky finaliza em barris de carvalho europeu que antes contiveram vinho tinto do Marrocos – algo inédito para a Glenmorangie. Outras partes são finalizadas em barricas virgens de carvalho, vinho jerez PX e famosos e polêmicos barris de vinho STR. Uma sigla para “shaved, toasted and recharred”, uma técnica de, diremos assim, rejuvenescimento da madeira, atualmente bem usada pela indústria.
O resultado é surpreendente, da melhor forma possível. O aroma é clássico da Glenmorangie, com um cítrico doce, e baunilha. Mas no paladar, é muito mais. Há um pouco de gengibre, noz-moscada, pimenta, menta e – um dos aromas que mais me agrada em whiskies – anis e alcaçuz. O equilíbrio é bem interessante, também, porque as especiarias estão claramente lá, mas não são intensas o suficiente a ponto de dominar completamente o sabor. A graduação alcoólica, de 46% ajuda nessa impressão.
No Brasil, uma garrafa do Tale of Spices custa, mais ou menos, R$ 700. É um excelente preço, considerando a natureza limitada do lançamento, e sua complexidade. É também coerente com o preço cobrado pelos demais whiskies da linha, disponíveis no Brasil. O que, aliás, merece aplausos. A marca expandiu bastante seu portfólio em nosso país, no último ano, e trouxe whiskies excepcionais e bastante exclusivos, como o 18 anos e o Signet.
O grande truque do Tale of Spices é, praticamente, o mesmo das especiarias no século dezenove. Trazer intensidade, personalidade e exclusividade para o sabor. É curioso e reconfortante encontrar um whisky com perfil clássico e inovador ao mesmo tempo – e que não é só mais um frango temperado com glutamato monossódico, envolvido numa bela embalagem de marketing vazio. E, honestamente, se a Companhia das Índias Orientais tivesse conhecido o Tale of Spices, talvez tivesse poupado a humanidade de algumas guerras.
GLENMORANGIE TALE OF SPICES
Tipo: Single Malt Scotch Whisky
Destilaria: Glenmorangie
Região: Highlands
ABV: 46%
Notas de prova:
Aroma: frutado, cítrico, baunilha, anis.
Sabor: adocicado e frutado no começo. Rapidamente se torna apimentado e floral, com gengibre, noz-moscada, pimenta e menta.





























